O Executivo Inadaptado.

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Passou a mala para a outra mão, apertou duas, três vezes o botão e, ato contínuo, ajustou a gravata enquanto conferia os números acima. O elevador, em vez de subir, desceu. Claro que ele bufou, olhou sem olhar para o relógio e pressionou mais três vezes, tactactac; apesar de reconhecer a inutilidade, era um vício, um alívio de qualquer forma. A ideia de fazer algo, preencher o tempo.

Bom dia, dirigiu-lhe o cumprimento um diretor assim que as portas se abriram. Acenou com as sobrancelhas e logo meteu-se naquele espaço de espelhos e uma televisãozinha desligada graças a Deus. Apertou o T e devolveu a sua maleta para a destra. A outra mão no bolso.

Não demorou muito, três andares abaixo, ingressou um homem de uniforme azul e boné engordurado, arrastando o dedo cansado e sujo até a tecla S3. Não disseram nada, nem boca nem sobrancelha nem nada. Que incômodo, odiava dividir espaços tão curtos. Além do mais, faxineiro não deveria usar o elevador dos fundos, de balde e rodo, aroma Bom-Ar-Lavanda? Não deveria cumprimentá-lo pelo menos, chamá-lo de senhor? Até aí, tudo bem, ou melhor, ainda bem, mas um aspecto o incomodou muito – o homem não parava de fitá-lo fixamente. Ou foi essa sensação que ele teve, pois, apesar da cabeça baixa, era como se sentisse o peso do olhar, o ar carregado.

“Agora isso”, impacientou-se com o desembaraço do outro, “quatro horas e meia de reunião e agora isso”. Sem tempo para elevadores, sem tempo para conversas, obedecendo ao vício, irrefletidamente procurou alguma identificação no uniforme azul. Encontrou acima do peito o crachá desbotado. Aquela foto, os olhos fundos e líquidos. A parte de cima da boca fina. O nome.

Urbanildo B. Neto. Bezerrinha, como costumavam chamá-lo quando estudaram juntos aos quinze anos no interior. Era ele mesmo. O Bezerrinha da briga na feira depois do futebol – vozes quentes sobrevoando o cheiro do melaço de cana, a luz opaca pela barraca vermelha de pastel. O Bezerrinha do riacho atrás da tenda de jatobá – mataram aula naquele dia quente do diabo, a água entre as mãos e axilas. O mesmo Bezerrinha da casa da Flávia, A Flávia, irmã do Leandro (Evandro?), quando os pegaram de ponta do pé na janela do banheiro. O susto seguido da gargalhada, enquanto corriam a rua de terra. Achava que nunca se esqueceria da boa risada do Bezerrinha, o som agudo antes de cada fôlego. Tudo mais vivo e mais detalhado debaixo do sol daquele dia. A expressão viva que se perdeu no crachá da empresa. Urbanildo B. Neto. Térreo.