pode entrar

por id435009.scuczx.xyz

De olhos semiabertos, sob a luz amarela que atravessa piedosamente as finas cortinas, descansou a vista em uma das mãos de veias azuis. Então é isso? É assim que se morre? E o medo, a morte, o fim ou, pior, o sofrimento, as lágrimas, a angústia, os grunhidos do corpo se definhando etc. etc.? Não, riu para si. Nada. Terminou de fechar os olhos, com um sentimento mais fraco do que leve. Observou a vida escoar pelas pontas dos dedos, pelos calcanhares. Ouviu-se naturalmente em uma contagem regressiva. Por que do 40? Enfim, suspirou, um pouco de descanso. Ouviu sua própria voz atravessar as paredes – surpreendentemente forte até… 29, 28… 20… Aos poucos, foi deixando de sentir as extremidades. Depois, os ossos. A infeliz dor no joelho esquerdo, que o assombrou por anos. A dor de dente. 10… Um sono pesado devasta silenciosamente, consome sem deixar rastros. Nada de memória, fotografias, nada de infância. 5, 4… 3… o ritmo grave. Um. Foi a última palavra que veio à cabeça. Um, repetiu com os lábios secos.

“Posso entrar, Sr. Areás? Hora do café. Trouxe a geléia de goiaba que o senhor gosta.”

Merda, pensou. Voltou a artrose ao se endireitar na poltrona, o molar latejando. Desta vez, não corrigiu a pronúncia para Arêas, que diabo, é Arê, rê – com ênfase no e, meu santo Deus.